por Max Daniel
Um bom mergulho no mundo do idiossincrático diretor nova-iorquino Stanley Kubrick é o que propõe a exposição sobre sua obra que o MIS (Museu da Imagem e do Som) de São Paulo apresentou entre 11/10/2012 e 12/01/2013. Queridinho cult, Kubrick consegue atrair muita gente interessada nele, muitos de seus filmes são considerados verdadeiras obras- primas da sétima arte, rompendo estéticas, inovando em amplos aspectos, criando paradigmas que seriam seguidos e copiados à exaustão.
Os filmes de Kubrick são quase atemporais, sua estética futurista em filmes como 2001 e Laranja Mecânica, ainda é moderna mais de 40 anos depois, são filmes que poderiam ter sido feitos ontem e ainda assim estariam além do seu tempo, filmes que fazem discutir. Sua preocupação com detalhes do cenário, com a fotografia, o esmero da trilha, as inovações narrativas, a ousadia dos temas, sua aparente facilidade em tornar seus filmes geniais, clássicos e presentes em todas as listas, sejam elas de críticos ou cinéfilos, onde se apontam filmes de referência na história do cinema.
Stanley está, indiscutivelmente, entre os maiores diretores de todos os tempos e para render-lhe homenagem (e principalmente me homenagear) fui conferir a imperdível viagem da exposição, que não mostra só seus filmes, vamos desde seus dias de fotógrafo e primeiros curtas até o filme “De Olhos Bem Fechados”. O ambiente é dividido em salas e cada sala um filme, há muita documentação, dá vontade de fotografar tudo, a letra dele lá, seus rabiscos em roteiros, desenhos e documentos, claquetes das cenas… Cortinas isolam os ambientes e vou penetrando, observando as paredes repletas de cartazes de seus filmes, vou por ordem cronológica, “Medo e Desejo”, “A Morte Passou Perto”, vendo fotos de “O Grande Golpe” dá para perceber de onde veio ideias como as de usar máscara de palhaços em assaltos, o horror da guerra em “Glória Feita de Sangue” e um Kirk Douglas de capacete e rosto sujo de cinzas, e ele lá de novo agora como o gladiador “Spartacus” cheio de cortes no peito.
Entro em uma sala suave e colorida, a sala de “Lolita”, óculos gigantes com lentes de vídeos onde se reproduzem trechos do filme baseado no polêmico livro de Nabokov, fotos da bela loirinha Sue Lyon e seus pezinhos, depois vem o filme da grande mesa oval da guerra fria, com humor negro de “Dr Fantástico” Peter Sellers (Dr Strangelove- ou como aprendi a parar de me preocupar e a amar a bomba), e então uma sala branca enorme, 2001- Uma Odisseia no Espaço, que mais dizer sobre ele, nada, tudo já foi dito e se não foi vão dizer pois ainda vamos continuar assistindo-o, nos empolgando e debatendo sobre seus significados, sobre a ideia do diretor, a ideia do filme, sobre quem somos e para onde vamos, e tudo é muito claro, luz forte demais, há um Oscar por efeitos visuais, duas máscaras e uma fantasia dos macacos do inicio do filme, figurino original de astronauta, áudio, vídeos, maquetes, fico mais tempo nessa sala tentando captar as vibrações do Dr. David Bowman ou ouvir Hall 9000, o bebê está aqui, o mesmo bebê com olhos azuis abertos, sala concorrida, continuo até outra sala maior, iluminada com neon como um bar, um bar onde se bebe Moloko, estamos no mundo da ultraviolência de Alex e sua turma, o arrepio é o mesmo sempre, sempre que essa história é contada nos contraímos de terror com o horror apresentado, filme perigoso pela interpretação difícil, tema controverso e história polêmica, muitos amam e odeiam mas todos são marcados e não podem mais esquece-lo, arte pop retrô futurista com trilha clássica e perturbadora, há um dos figurinos da gangue de Alex, aquela cueca estranha sobre a calça, olhos nos punhos das camisas de mangas compridas, suspensórios, chapéu e bengala na mão, de dar medo, Moloko brilha em neon azul, uma mesa-mulher nua descansa enquanto outro manequim do filme, do bar, a mulher branca de peruca branca, nua, peitos pontudos, mãos algemadas, de joelhos, não sei se com os mesmos brincos, está bem ali, não resisti e a toquei, como fã tenho esse direito. Televisores amontoados mostram cenas do filme, a emblemática cena do colírio, das brincadeiras com as obras de arte fálicas.
Passo para o mundo de “Barry Lyndon” e a pompa dos figurinos originais cheios de detalhes e acabamentos do aristocrático século 18, chapéus e plumas, então em outra sala há um hotel, o mesmo papel de parede, portas fechadas e quase todas são para serem abertas, em cada uma delas peças do filme, a máquina de Jack, a faca, os machados e os sons de machadadas, paro na frente da porta onde estão dois vestidinhos azuis com lacinhos, dois sapatinhos, o arrepio sobe pela espinha como deve ter subido pelas costas de Danny, o iluminado garoto, quando viu as meninas no corredor, o que atrapalha é que as pessoas devem abrir ver e fechar as portas mas acabam deixando abertas, uma claquete aponta: Slate 875 Take 1 6/10/1979 “The Shining”. O som do bar do hotel na conversa de Jack com o barman, o pavor dos gritos de Wendy, quem não tem medo da cara de louco de Nicholson? E dos corredores imensos do hotel cercado pela neve? No espelho: REDRUM. Saí dali vivo, com exceção de uma ou duas machadadas nas costas, mas ainda limpo para seguir o corredor vermelho, caio na trincheira de “Nascido para Matar”, guerra escancarada de soldado herói e bandido, o Vietnã, ferida que não cura, e todas as vidas que engoliu a troco de nada.
Saio do sufoco e continuo, a trilha é sombria, alguns sons baixinhos de assovios de outros visitantes se ouvem saindo da boca de algumas das inúmeras máscaras vienenses colocadas nas paredes e por trás dessas se pode olhar quem entra e também assoviar numa interatividade que, tímido demais, desprezei, preferindo observar máscara por máscara e reconhece-las como personagens da festa ritual que ocorre em “De Olhos Bem Fechados”, a trilha dá o tom nessa sala, o brilho de feições sóbrias e as caretas douradas das máscaras se apagam na escuridão do negro figurino exposto: a capa de chefe de clã de seita illuminati, ou algo do tipo. Num cantinho um casal de visitantes “se pega” na frente de uma tv que exibe trechos do filme, por trás máscaras enigmáticas e o povo continua olhando através delas. Filmes que ficaram na gaveta também são lembrados rapidamente: Napoleão e Aryan Papers, afinal nem tudo são flores para ninguém, principalmente para nós cinéfilos que perdemos um gênio ímpar com olhar bem à frente de onde nossa visão alcança. E o pior da exposição é ter que sair pois não deixaram dormir lá.
-Max Daniel